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Levando famílias à harmonia

A Família Cristã no 3º Milênio

Por Carlos "Catito" Grzybowsk

Ao estudar a família numa perspectiva sociológica, pressupomos o fato de que toda sociedade reconhece a família como instituição e como grupo social básico. A família “é de fato a instituição à qual devemos nossa humanidade. Não conhecemos outra maneira de formar seres humanos… capazes de atuarem como homens e mulheres, os quais por sua vez formem famílias e criem filhos, senão através da família”. Em toda sociedade conhecida, quase toda pessoa vive submersa em uma rede de direitos e obrigações familiares adquiridas através de um extenso processo de socialização, que inicia com o nascimento. A família não cumpre somente a função de procriar e de sustentar fisicamente o indivíduo, mas também é o principal meio de transmissão da cultura de uma determinada sociedade.

A influência da família na vida de uma pessoa é tal, que mesmo nas sociedades mais industrializadas, onde as pessoas parecem haver perdido suas raízes e aparentam viver anonimamente, tais pessoas estão em constante integração com outros membros da família. “Não importa quão educada, inteligente, importante e madura seja uma pessoa, estudos tem comprovado que ela reage igualmente à crítica dos pais ou às brincadeiras dos irmãos”. Ainda quando os laços familiares são cortados por completo ou quase por completo, como acontece com habitantes da zona rural na América Latina que se mudam para as grandes cidades em busca de trabalho, a família extensa (tios, primos de 2ºgrau, etc.) assim como os compadres (um tipo de parentesco fictício), passam a ter especial importância.

A importância da família em toda a sociedade nos leva a comprovar que cumpre funções muito importantes para a vida humana e social. Vamos enumerar cinco da funções mais importantes da família em geral, explicando-as desde uma perspectiva latino-americana. Estas funções são:

  1. Satisfação das necessidades sexuais
  2. Procriação
  3. Unidade de residência
  4. Função econômica
  5. Socialização das novas gerações

Em primeiro lugar, a família, por meio da relação marital, faz provisão para satisfazer as necessidades sexuais de seus membros adultos. O sexo é um impulso tão poderoso que em nenhum lugar é permitido expressá-lo sem limites estabelecidos. A expressão sexual sem limites ameaçaria as relações de cooperação necessárias dentro da família de dentro da sociedade. Em sociedades ocidentais, e sobretudo no meio ambiente cristão, a relação sexual fora do matrimônio recebe diversos tipos de sanções. Há sem dúvida sociedades e grupos humanos nos quais é dada bastante liberdade sexual aos adolescentes antes do matrimônio. Se o sexo fosse a única ou pelo menos a razão maior para o matrimônio, supomos que muitos desistiriam de casar-se. Porém sucede que não é assim. Em muitas sociedades encontramos a tendência de só conceder completa identidade adulta aos membros casados. De modo que a satisfação sexual é apenas uma das funções da família.

A PERSPECTIVA NO 3º MILÊNIO

Dois movimentos caminham paralelos neste final de Milênio e apontam para o milênio seguinte como duas correntes que irão disputar a primazia em relação aos seus postulados:

O primeiro movimento é o da BIOLOGIZAÇÃO do sexo, ou seja, o sexo pelo sexo, desvinculado do afeto, do compromisso e da cumplicidade. Dentro desta perspectiva, há o nítido reflexo de todo o movimento de individualismo apregoado pelo NEO-LIBERALISMO. Importa é a sua satisfação pessoal, mesmo que para isto seja necessário utilizar o OUTRO, de forma mecânica e descartável. O EU é o elemento importante, tanto para homens como para mulheres. Entre os jovens esta tendência já se manifesta no FICAR, que é uma experiência sexual (nem sempre genital, descompromissada de busca do prazer do momento.

Este movimento deve ser entendido como a seqüela de uma sociedade desesperançada, onde os ideais mais altos de igualdade, fraternidade e solidariedade foram destruídos em 2 guerras mundiais e inúmeras outras regionais e locais, por ditadores frios e impassíveis, como no caso de nossa América Latina e pela filosofia dominante do American Way of Life, no melhor modelo Bill Gates, que alcança a realização total sem necessitar do outro!

A outra corrente, que timidamente ressurge, em meio a proliferações viróticas do HIV, é o retorno ao compromisso, à moral e aos costumes do século passado, com a moral vitoriana. As campanhas de “Quem ama espera”!, surgida em meio às igrejas batistas do sul dos Estados Unidos ganha campo (mesmo aqui no Brasil - Segura o Tchan!), especialmente pelo fato de os Estados Unidos serem os campeões mundiais de vítima de AIDS, só perdendo em proporções populacionais para Uganda (pelo fato da população ser numericamente muito inferior neste país). Ainda que em um resgate de valores vitorianos, as perspectivas deste movimento ainda não tem como pano de fundo um resgate à solidariedade e ao companheirismo, mas a motivação é o medo da pandemia aidética e mais uma vez o centro é o próprio umbigo.

Em segundo lugar, a família é a unidade de reprodução. Espera-se que as relações sexuais entre marido e mulher resultem na procriação. O fato de que em toda sociedade as crianças são atendidas e cuidadas indica o fato da importância das crianças, não apenas pelo afeto natural que a relação filial produz, mas também pela necessidade de sobrevivência do grupo. Desde uma perspectiva bíblica cremos que a função de procriação posta a cargo da família corresponde à imagem de Deus no homem e à tarefa de “encher a terra, e sujeitá-la” (Gn. 1:26-28). Isto quer dizer que a procriação não é meramente uma função biológica para que a raça humana seja preservada, mas sim uma função espiritual por meio da qual os seres humanos colaboram com Deus na “criação” contínua da vida nesta terra. Por isso na tradição judaico-cristã o sexo e a procriação estão intimamente ligados ao amor, à responsabilidade, e à família.

A PERSPECTIVA NO 3º MILÊNIO

Estão aí, recém editadas, as conclusões do HABITAT II, e a preocupação mundial no crescimento populacional e de como isto afeta as estruturas urbanas. A perspectiva é, no mínimo, sombria. O pânico geral ocorre quando nos defrontamos com modelos como o da China comunista, onde a limitação da reprodução, estabelecida por lei, se violada, leva ao infanticídio em massa (e não estamos aqui falando de abortos legais, como ocorrem nos USA e países europeus).

Uma das mais cinzentas perspectivas para o III Milênio para nós é de que possivelmente veremos limitada a liberdade de termos bisnetos (talvez já netos) em face ao crescimento populacional, salvo se emergirem catástrofes e guerras que logrem um descenso populacional.

A ingerência do Estado na política populacional na América Latina já se faz sentir através dos planos de controle familiar que tem sido propostos por legisladores no Congresso. A Igreja Católica é ainda o baluarte de maior impedimento para uma implantação de controle de natalidade a nível mundial. Em países de primeiro mundo, com a facilitação do aborto, uma propaganda massiva e a omissão de uma teologia evangélica cristocêntrica que valorize a vida, as leis são o senso comum, que na maioria da população dita que melhor é ter um animal de estimação que um filho. Mais uma vez se faz sentir a ideologia NEO-LIBERAL, centrada no indivíduo, onde a maior preocupação é com a realização pessoal da mulher profissional, com seu aspecto maternidade sendo um obstáculo para tal consecução. Além disto a ideologia hedonista da valorização do corpo e a busca da manutenção dos modelos idealizados pela sociedade tornam assustadora à mulher a idéia da disformidade no corpo que possa ser causada pela gravidez.

Em terceiro lugar, a família oferece uma unidade comum de residência. Em sociedades tradicionais é possível encontrar núcleos de convivência familiar que incluem avós, netos, tios e outros parentes. A medida que uma sociedade se torna mais industrializada, o lar inclui somente a família nuclear (pai, mãe e filhos). Na América Latina é muito comum se constatar que o lar abriga quase sempre alguém mais que os membros da família nuclear: parentes, empregados, etc. Isto provê um meio mais natural de socialização às crianças, e uma transição menos dolorosa entre a adolescência e a vida adulta. Entende-se por unidade de residência não somente o teto abaixo do qual as pessoas habitam, mas também as atividades que ali se realizam, e que dão à família um sentido de grupo. A família como “comunidade de mesa” cumpre muito mais que simplesmente a função nutritiva. A moderna divisão do trabalho vem afetando de maneira muito profunda esta função unificadora da família na América Latina. Sem dúvida, a comida ao meio‑dia é também a reunião familiar mais importante, e as pessoas resistem à implantação de horários corridos de trabalho.

A PERSPECTIVA NO 3º MILÊNIO

A casa tem se tornado, a cada dia que passa, cada vez menos um local de convivência de seus membros para transformar-se em um albergue semanal e transitório. As demandas de tempo que nos são imprimidos pelo ritmo hodierno, nos impedem de desfrutarmos grandes momentos de convivência familiar.

Muitos pais vivem hoje sob um “INFATARCADO”, sempre com o objetivo de tornarem os filhos mais e mais competitivos. Muitas mães reduziram suas funções no lar a de motoristas dos filhos, que imperiosamente necessitam ir à mil atividades para-escolares (ballet, música, judô, natação, informática, etc…). O esgotamento em finais de semana leva a um isolamento televisivo futebolístico do pai e em geral à shoppingmania dos filhos, sempre monitorados pela mãe-piloto.

A competitividade leva também ao isolamento social. A casa não é mais local de encontros de famílias. Estes acontecem nos restaurantes e em locais públicos (clubes, parques, etc…), onde as formalidades superam as intimidades. Salvo na população de baixa renda, onde existem o que denominamos de “comunidades de pátio” onde a solidariedade da falta cria vínculos fortes até no desvio da legalidade (haja visto o tratamento de bem-feitor que recebem os traficantes nas favelas).

Isto aponta para o “Admirável Mundo Novo” de Huxley? Talvez não literalmente, mas muito próximo figurativamente, onde as pessoas são programadas para liderar e vencer e as que estão “fora do sistema”, as marginais, são ameaças!

A quarta função da família é a econômica. A família é a unidade primária de cooperação econômica. Esta cooperação está baseada nas diferenças biológicas entre homem e mulher, e está reforçada pela divisão sexual do trabalho que define o meio social particular. Quase em todo o grupo humano os homens se encarregam das tarefas que exigem mais força física, enquanto que o livre movimento das mulheres está limitado pela gravidez e pela amamentação. Nem a mulher, nem o homem podem funcionar eficientemente sem a ajuda do outro. A grande maioria das famílias já funciona como uma unidade de trabalho, produção e consumo. Mesmo assim, ainda restam algumas zonas rurais na América Latina onde se cultiva a terra com instrumentos rudimentares, e algumas áreas nas cidades onde a vida da família depende de um ofício no qual todos os membros devem colaborar. Porém, nem mesmo nestes casos a família pode sobreviver como uma unidade econômica fechada. Quanto mais uma sociedade se industrializa, mais a função econômica da família se modifica.

Mesmo nas sociedades altamente industrializadas observamos a divisão do trabalho na família. O pai em geral é o principal responsável pela provisão material e o sustento da família, a mãe cumpre tarefas domésticas, e os filhos têm tarefas específicas, como lavar pratos, tirar o lixo, cortar a grama, cuidar dos irmãos menores, etc. Na América Latina, em setores predominantemente agrícolas, a contribuição econômica dos filhos é muito destacada. Igualmente, os velhos contribuem de diversas formas para o sustento de si mesmos e da família. A chegada à velhice em tais sociedades é menos crítica e mais compensatória pelo respeito oferecido aos anciãos e pelos laços familiares que são mantidos. Esta é a razão pela qual o estabelecimento de lares para idosos não tem florescido na América Latina. Pelo contrário, é considerado como uma negação da responsabilidade familiar para com o ancião e como um estigma social.

A PERSPECTIVA NO 3º MILÊNIO

Este talvez seja o elemento mais marcante de mudança na família para o terceiro milênio. A competitividade social e as demandas do mercado de trabalho impelem para que haja a participação mais efetiva da mulher/esposa/mãe. Para acompanhar o mundo da tecnologia e o descartável, é necessário um ingresso maior de recursos financeiros, fazendo com que a contribuição exclusiva do homem não seja suficiente.

Além disso todo o movimento de liberação da mulher, que muito contribuiu para a desmitificação da hierarquia social e a revalorização da mulher, trouxe como seqüela o medo de ser considerada disfuncional em um mundo em que os valores do trabalho e da realização profissional passaram a ser regra áurea.

Temos ainda que levar em conta os novos modelos familiares, muito comuns aqui na América Latina, que é a família de um só progenitor (em geral a mãe), que tem que fazer a dupla função de provedor do lar (de fora para dentro) e de administrador do mesmo (de dentro para fora).

A crise econômica mundial também gera a mão de obra infantil, algumas vezes escrava, outras vezes na marginalidade das ruas, sempre fator de preocupação mundial. Cresce nos setores marginais as famílias que são sustentadas pelos filhos nas ruas - e as agressões pela falta de provisão leva à adoção da rua como unidade de residência!

A quinta função da família é a socialização de seus membros. Mesmo nas sociedades altamente especializadas, a família tem a responsabilidade básica da socialização da criança durante seus primeiros anos. Por “socialização” entendemos o processo pelo qual a criança aprende como os outros na família esperam que ela se comporte, e por meio do qual ela mesmo chega a sentir que essa é a maneira tanto correta como desejável de atuar. A família é que dá a cada indivíduo, desde o seu próprio nascimento, sua primeira identificação social. O processo de socialização é muito mais complicado que o mero cuidado físico, e envolve a participação de todos os membros da família. Os varões aprendem, em parte de seus pais e em parte de suas mães, como comportar-se com os membros do sexo oposto. Igualmente, tanto o pai como a mãe ensinarão à menina como chegar a ser mulher. Quando um dos pais está ausente, temporal ou definitivamente, as crianças buscam a figura paterna em um tio, avô, primo adulto, etc. O mesmo sucede com a figura materna. Quanto mais elaborada é uma civilização mais agentes intervêm no processo de socialização. Isto nos mostra que para uma formação espiritual adequada ou “socialização cristã” de nossos filhos, o lar tem um lugar insubstituível na formação de valores, normas, atitudes e conduta cristã. Nem mesmo a igreja pode suprir a formação espiritual que a família não provê.

PERSPECTIVA NO 3º MILÊNIO

A delegação desta função aos “Técnicos” é cada vez mais patente em nossa sociedade e deve ser o modelo predominante no virar do milênio.

Já cedo as creches são a provisão indicada para os pais atarefados em busca do equilíbrio contábil. Dali os Jardins de infância e as escolas - preferencialmente de ensino integral, ou a absorção de meio período, como já citado em uma centena de atividades de aperfeiçoamento pessoal.

Não se pode desconsiderar a figura do psicólogo, como o firme e infalível referencial de muitos pais que, querendo ser “diferentes”, perderam o Norte em seus modelos educacionais.

A literatura cristã tem proliferado neste sentido e os cursos específicos que falam sobre relações pais/filhos tem sempre demanda maior que oferta. Nossos filhos da sociedade, é o que aponta o modelo da geração vindoura.

A socialização pelos meios de comunicação de massa, em especial a TV, é também o recurso a que muitos pais tem lançado mão com freqüência sistemática. A babá eletrônica, sem censura e sem critérios é o deformador nº 1 de mentalidades infanto-juvenis.

Correndo por fora a informática via INTERNET, com o mundo a seus pés é outro elemento socializante - ainda que por vias individualizantes. Me comunico com o mundo todo sem ver a face do outro - tudo é intermediado pela máquina!