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Levando famílias à harmonia

Intervenção Psicosocial em desastres e catástrofes

Por Ageu Heringer Lisboa

Reunião científica CPPC-SP “Desastres e papel dos psicólogos e afins” Univ.Presbiteriana Mackenzie, 28 de maio de 2011

A emergência de catástrofes naturais ou a ocorrência de acidentes e conflitos de grande porte em zonas urbanas e rurais, por sua natureza imprevista e forte impacto social, representam um desafio altamente complexo para as forças de segurança e de saúde onde ocorram.  Uma catástrofe desencadeia uma súbita desorganização no funcionamento de uma coletividade que entra num período de Crise. Respostas reflexas de pessoas e grupos antecedem a resposta de organismos sociais especializados, como das forças de segurança e da saúde; contudo, diversos problemas surgem decorrentes do voluntarismo impulsivo e de falta de critérios seguros  sobre como ajudar as vítimas.

A dimensão subjetiva, os estados emocionais são profundamente implicados no contexto de catástrofes, requerendo uma abordagem específica. Dada sua importância para a qualidade de vida dos atingidos e reconstrução de famílias e comunidades, devem ser considerados já nas primeiras fase de retirada de vítimas dos locais sinistrados. E ser uma ocupação de longo prazo, de forma sistemática por meses, quando a catástrofe não mais ocupa o noticiário.

Num contexto de tensão, insegurança, precariedade material, perdas afetivas, ambientes sem privacidade e incertezas quanto ao amanhã imediato, torna-se extremamente importante oferecer respostas práticas de socorro e redução de sofrimento, encaminhamentos a postos de saúde e abrigos. Um programa de intervenção psicossocial em crise, mediado por Facilitadores  devidamente capacitados, representa um significativo suporte para que pessoas e comunidades afetadas processem suas experiências de perdas, de deslocamento físico e emocional, trabalhe o luto e retorne a uma cotidianidade suportável.

Para além da crise, com a retomada de uma normalidade possível, a comunidade pode  avançar na consciência coletiva de riscos e trabalhar para sua minimização. A formação de profissionais e voluntários devidamente capacitados para prevenir como também responder a ocorrência de desastres é tarefa de toda a cidadania e de governos. A Eirene Brasil [eirene.com.br] herdou de suas congêneres da Colômbia e Ecuador algumas expertises para atuação em contexto de desastres e tem sido parceira da Ong SOSGlobal (sosglobal.org.br] em várias regiões do Brasil afetadas por desastres. O objetivo específico da Intervenção Psicossocial visa a qualificação de Facilitadores para o cuidado de necessidades emocionais de desalojados, feridos e enlutados.

Temos atuado em programas de capacitação de voluntários e profissionais como Agentes Facilitadores em Intervenção Psicossocial em parceria com organizações sociais, igrejas, sindicatos, integrantes das forças armadas e polícias, agentes da Defesa Civil, educadores e profissionais da saúde. O conceito de Facilitador, oriundo do Serviço Social, enfatiza a importância da integração com as forças vivas de uma comunidade e o reconhecimento de que há uma grande disponibilidade de recursos humanos que devem ser integrados nos esforços de ajuda em situações emergenciais e posteriormente quando do desenvolvimento comunitário.

No caso específico de Ajuda Emocional, a psicologia tem seu próprio âmbito e competência de agir, conforme protocolos oriundos de várias fontes teóricas. Mas não está sozinha nem tem o monopólio da ajuda emocional. Outras categorias profissionais como assistentes sociais, educadores, pastores, padres, conselheiros, sociólogos tem suas especificidades e modos de prover ajuda. E todas são bem-vindas. No contexto de um a emergência há o imperativo ético moral de cooperação interprofissional sem exclusões. A visão da Eirene (Assoc. Brasileira de Assessoramento e Pastoral Familiar) é justamente a de integrar especialistas de várias áreas na tarefa de prestar ajuda emocional a vitimas de catástrofes. O contexto de ajuda no caso requer primariamente uma atitude de escuta e facilitação de catarse, o alivio de dores emocionais, dar suporte para providencias de segurança individual, familiar e comunitária. Casos mais agudos e de risco à vida são percebidos, acompanhados e devidamente encaminhados para instâncias e locais mais capacitados para o atendimento.

Da formação do Facilitador de Ajuda Emocional em Emergências e Desastres

Sabendo se que Desastres são eventos desorganizadores sociais complexos, enfatizamos o necessário espírito Transdisciplinar para tratar de saúde coletiva e catástrofes. A Teoria da complexidade (E. Morin) se une à compreensão sistêmica para conhecer as circunstâncias e contexto em que populações se encontram afetada. Protocolos internacionais e nacionais de Defesa Civil conceituam e classificam as emergências e os desastres. Estudos transdisciplinares justamente tratam da geopolítica dos desastres revelando como variáveis sócio-politica e econômica injustas potencializam e transformam fenômenos naturais em de desastres sociais. Entre elas temos as habitações insalubres em encostas de morros e beira de rios e mangues, o desrespeito a normas de segurança ambiental.

Recentemente forças retrógradas da esquerda (PCdoB) aliaram-se a madeireiros e agronegocistas para alterar o Código Florestal. Ambientalistas e alertam sobre a construção polica da tragédia: com florestas menos protegidas, as populações ficam mais vulneráveis às enchentes e deslizamentos de terra. Entre 2007 e 2010, passamos de 2,5 milhões de pessoas atingidas por desastres ambientais para mais de 5 milhões. São milhões de casos de dramas humanos, perda de vidas, perdas de patrimônio, de infra-estrutura que se repetirão com cada vez mais freqüência se continuarmos a negligenciar o meio ambiente.

Quando das emergências aguçam–se as tensões sociais. O Facilitador deverá conhecer alguns conceitos sobre processos de crise e de intervenção psicossocial e ser treinado na aplicação de algum protocolo de ajuda. Oferecendo conforto às vitimas contribuirá em muito para o lidar com perdas e com o luto. A integração em grupos de apoio, notadamente em associações religiosas presentes no cotidiano das famílias tem sido de grande ajuda para as populações para a retomada de uma normalidade suportável. A seguir algumas definições necessárias:

“Facilitar es el arte de NO introducir ideas en la mente de los demás sino de  sacar ideas de ellos” … “El término ‘facilitador’ puede entenderse aquí como:agente de cambio, organizador comunitario,  promotor, educador popular, desarrollador, trabajador social, agente comunitario, supervisor de proyecto o cualquier otra palabra que se utilice para designar a todas aquellas personas que se encuentran comprometidas en relaciones de ayuda.”… “Los facilitadores a menudo inician su trabajo sin estar capacitados para un papel que  va más allá de su preparación técnica y académica” Francis O´Gorman in (Facilitadores de Cambio – MAP Internacional – Pág.2).

“No existe um facilitador modelo, no hay patrones fijos de cómo actuar, porque este es un papel (un rol) interactivo que se realiza dentro de situaciones cambiantes y en un momento histórico específico. El papel (o rol) de la facilitación se realiza en la etapa de un proceso y depende de las condiciones de conciencia, compromiso, experiencia de acción y reflexión por parte tanto del facilitador como del grupo para poder llevar a cabo su proyecto o proceso”. Francis O´Gorman in (Facilitadores de Cambio – MAP Internacional – pág. 3).

“Los facilitadores son aquellos actores que tendrán como función provocar el diálogo, animar la libertad, generar modos de comunicación más complejos que permitan  las diferencias y reconocerlas como anclaje de vínculos más comprensivos, tolerantes y democráticos” . . . “El facilitador no construye la historia del otro: entabla una conversación, dando lugar a la posibilidad de CAMBIO. Cuando facilitamos buscamos abrir historias para construir otras. Hablamos de intercambio y de interacción, de encuentros donde podemos reconocer al otro, valorar las diferencias y las semejanzas” EL AGORA (Asociación Civil – Apuntes de Taller)

Quando da tragédia no Vale do Itajaí, SC em dezembro de 2008 o CPPC e EIRENE promoveram uma Jornada de Capacitação para 200 voluntários. Após seis meses procedeu-se a uma avaliação acerca do trabalho dos Facilitadores. Também foram colhidas recomendações. Uma boa síntese temos do relato da Capacitadora de Facilitadores – Karin Winter psicóloga clínica em Blumenau, SC:

  • “Tanto a intensidade emocional como a complexidade de uma crise demandam um TREINAMENTO ADEQUADO de quem se sente chamado a trabalhar com pessoas e famílias em crise.
  • O treinamento deve incluir o 1] conhecimento dos distintos tipos de crises, 2] sua dinâmica, 3] seu impacto no contexto imediato e 4] os limites de sua intervenção.
  • Já que a relação entre facilitador e a pessoa/família em crise é crucial no processo de ajuda, o facilitador deve CONHECER A SI MESMO, as suas capacidades de manejar o stress, para estabelecer limites e para acompanhar as pessoas no processo sem dar sermões, moralizar, julgar ou pressionar.
  • Deve também ter uma clara noção de quando um caso ultrapassa seu treinamento e seus limites, a fim de declinar ou encaminhar o caso a um colega ou a um profissional especializado”.

No artigo “Perfil de um Facilitador Pastoral”, O Dr. Jorge Maldonado, expõe o seguinte:

  • “O facilitador pastoral de intervenção em crises deve estar preparado para envolver-se com perguntas sobre a FÈ e  ASSUNTOS DE SIGNIFICADO ÚLTIMO: a graça, os valores, o sentido da existência, enfim sobre a vida e morte.”
  • Estas questões devem ser tratadas com o maior respeito e eticidade.

Resiliência versus intervencionismo

É bom que se frise a grande resiliência histórica das comunidades para se evitar a sobre-atenção e intervencionismo terapêutico. Exemplo recente na escola do Realengo, Rio de Janeiro, RJ, palco de chacina de estudantes, quando a vizinhança, membros de igrejas e familiares logo se mobilizaram, abraçaram a Escola, colocaram flores e fizeram vigílias com cânticos e orações. Especialistas e profissionais não podem dispensar tais iniciativas comunitárias sob o risco de perderem relevância e contato com as mesmas. O risco dos especialismos psicopatologizantes é enorme devido ao assédio da imprensa em busca de “explicadores” das emergências sociais com conteúdos policiais. Declarações acerca do perfil psicológico de envolvidos, por exemplo, pecam pela inferência generalizante a partir de dados parciais, a serviço de uma crença psicológica do presumido especialista. Outro risco é o da “profecia autorealizadora” quando especialistas midiáticos afirmam que os colegas das vítimas ficariam com problemas em decorrência do trauma; até mesmo os professores e familiares ficariam com uma lembrança a perturbá-los. Isto até parece uma fórmula para vender serviços profissionais.

Na contramão do especialismo, o facilitador deve aprender “in loco” a perceber e apoiar os esforços e recursos próprios das famílias e comunidades para sua auto-organização. É o que sabe quem lida com as micropoliticas da alegria e saúde mental e conhece o poder das redes de suporte e reestruturação. O Facilitador leva em conta e objetiva o emponderamento de grupos e comunidade Isto pemitirá o caminho do Trauma ao Pós-trauma e ao neo-desenvolvimento resiliente.

Concluindo

Um programa de intervenção em crise psicossocial mediado por Facilitadores devidamente capacitados representa um significativo suporte para que pessoas e comunidades afetadas processem suas experiências de perdas, de deslocamento físico e emocional, trabalhe o luto e retorne a uma cotidianidade suportável.

Referências Bibliograficas

CARTER, Isabel. Guia para prevenção de emergências. Viçosa, MG: Ed. Ultimato, s/d.

DIAZ Maria Mercedes Sarmiento, Lazán Gilbert B. E agora, o que faço? Caderno para crianças. Curitiba: Eirene, 2008.

LAZÁN, Gilbert Brenson. E agora, o que faço? Caderno para crianças. Curitiba: Eirene, 2008. / ———–, Trauma psicossocial – Manual para profissionais. Curitiba: Eirene, 2008. / ———–, Manual de Recuperação emocional – Caderno para adultos. Curitiba: Eirene, 2008.

LE VEN, Michel Marie. Afeto e política: história oral de vida e sociologia clínica. Belo Horizonte: Fac. De Letras da UFMG, Linha Ed. Tela e Texto, 2008.

MALDONADO Jorge, “Perfil de um Facilitador Pastoral”, s/d.

OLIVEIRA, Roseli Künrich. Cuidar do Cuidador - São Leopoldo: EST, Sinodal, 2008.Centro Nacional para PTSD Distúrbio de Stress Pós-Traumático – USA. Primeiros socorros psicológicos - Guia Operacional no Campo TEARFUND - Manual de Capacitación para Facilitadores.

VALENCIO, Norma, org. Sociología dos desastres. Construção, interfaces e perspectivas no Brasil. São Carlos: RiMa Editora, 2009.

WINTER, Karin, Relato de experiência como Facilitadora emocional em Blumenau 2008-2009. Relatório do Programa de Intervenção Psicosocial Eirene-CPPC no Vale do Itajaí, SC, 2009.

Recursos disponíveis

Caderno de Recuperação Emocional - LAZÁN, Gilbert Brenson.

Material para Adultos - LAZÁN, Gilbert Brenson.

Ageu Heringer Lisboa é psicólogo, terapeuta familiar, docente da Eirene e da Faculdade Nazarena do Brasil (Campinas); interventor psicossocial em Blumenau (1985 e 2009), e na região serrana do RJ (2011); Mestre em Ciências da Religião


Contatos: ageuhl@gmail.com, (19) 981 153 780 — Campinas — ou (11) 5579 5475 — (São Paulo).*