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Levando famílias à harmonia

Pastoral ao Enfermo Terminal

Por Marcos Robson Quaresma de Araújo

“Achando-a, põe-na nos ombros, cheio de júbilo” (Lucas 15:5)

Ser pastor, cuidador de almas, é uma das experiências mais gratificantes que Deus pode permitir a um ser humano. É uma convocação divina para uma tarefa entre os homens. É uma missão sacerdotal, diferente da profética; pois o profeta confronta as pessoas nos seus erros, enquanto o sacerdote conforta as pessoas nos seus sofrimentos.

Visitar e aconselhar pastoralmente, tem sido uma atividade prazerosa, e ao mesmo tempo dolorosa, que tenho experimentado ao longo destes 17 anos de exercício do ministério pastoral. Prazerosa porque tenho visto muitos desanimados ficarem reanimados com palavras, músicas, leituras bíblicas, e orações nos momentos de visita, e ouvir frases como: “a visita de vocês é um conforto muito grande”. Dolorosa porque muitas vezes vejo faces tristes, ouço gemidos de dor, lágrimas e choros de corpos que se contorcem doentes, como também lamentos de almas angustiadas em sofrimento. A dor também me atinge. Seja por empatia ou quando sou mal compreendido, e por vezes até agredido, quando na intenção de ajudar, acabo magoando ou machucando alguém.

Entre as muitas facetas do acompanhamento às almas sofridas, está o cuidado ao enfermo terminal. Resolvi escrever estas linhas, porque estive por cerca de 10 meses acompanhando a irmã Edna Amorim de Souza, que foi acometida de câncer, e faleceu em 19 de junho de 2005. Mesmo sabendo de seu quadro terminal, ela resistiu às investidas da doença até o momento que pôde. Quando seu corpo não suportava mais as dores, desejou descansar, se entregou ao Senhor e descansou.

Creio que é importante, que todos nós que temos recebido a tarefa pastoral de cuidar das almas das ovelhas, também saibamos uma pouco sobre o comportamento das mesmas em relação às doenças terminais que as atingem. Conforme a Drª Küber-Ross, há algumas fases pelas quais passa uma pessoa com uma doença terminal.

Na primeira fase, a pessoa nega a doença e sua gravidade e recusa-se a falar sobre o assunto, tendendo ao isolamento. Procura iludir-se, fazer de conta que não está acontecendo com ela. São defesas temporárias à dor psíquica frente à morte. Em geral não persiste muito tempo, mas sua duração e intensidade dependem de como a pessoa e a sua família são capazes de lidar com esta dor.

Quando não é mais possível manter o estágio de negação, surgem sentimentos de revolta, raiva, mágoa, inveja, ressentimento. Nesta fase a pessoa se pergunta: “ninguém na minha família tem essa doença, o que aconteceu? por que eu? por que comigo?” e faz exigências, reclama e solicita atenção contínua. Os relacionamentos nesta fase tornam-se muito conflituosos, já que todo o ambiente é atingido.

Quando percebe que a raiva também não resolveu, a pessoa entra no terceiro estágio, tentando barganhar, geralmente com Deus. A maioria das barganhas é mantida em segredo, mas este não foi o caso de Edna. Ela disse claramente: “Se é prá cuidar desta doença por 12 meses, prefiro cuidar de mim e trabalhar na Igreja com meus irmãos por 6 meses”. Como dificilmente a pessoa tem alguma coisa a oferecer a Deus, além de sua vida, e como Este parece estar tomando-a, quer a pessoa queira ou não, estas negociações assumem mais a característica de súplicas. Por exemplo, faz-se promessas de uma vida dedicada à igreja, aos pobres, à caridade, em troca de mais tempo de vida. Nesta fase a pessoa mantém-se dócil, serena, reflexiva.

A quarta fase é a da depressão. Quando a debilidade física é evidente e a pessoa já não consegue negar sua condição, quando já expressou sua raiva e revolta, quando percebe que não resolve fazer barganhas, surge então o sentimento de grande perda. É o sofrimento e a dor psíquica de quem percebe a realidade nua e crua, como ela é realmente. Então vem o desânimo, desinteresse, apatia, tristeza, choro. “Eu desisto de orar para Deus me curar”, foram palavras que ouvimos de seus lábios, entre gemidos de dores.

Por último, vem a aceitação, que surge quando a pessoa já não experimenta o desespero e nem nega sua realidade. A aceitação aqui é sinônimo de conformidade, aceita a morte porque acredita que a luta acabou e o corpo já não agüenta mais. É o período onde a pessoa encontra a paz, o silêncio daqueles que estão cansados de sofrer. Já não tem mais interesse pelo mundo e começa a fazer o seu desligamento.

É importante ressaltar que estes estágios podem se intercalar e repetir durante todo processo da doença.

Nestes 10 meses que acompanhei Edna e sua família, pelo que pude perceber, já nos encontramos na terceira fase da teoria da Drª Kümber-Ross, pois ela estava sendo cuidada no INCA (Instituto Nacional do Câncer), no Rio de Janeiro, onde tinha um bom tratamento, e uma possibilidade maior de sobrevida, e resolveu mudar-se para Caruaru, onde o hospital do câncer mais próximo é o do Recife, e está em péssimas condições de atendimento. Antes de sair do Rio, ela insistiu com o médico para lhe informar o tempo aproximado de vida, e ele disse que se ela fizesse mais uma etapa de uma nova terapia medicamentosa vinda dos Estados Unidos, teria de 10 a 12 meses de vida; se não, de 4 a 6 meses. Diante desta noticia, decidiu vir para Caruaru e ainda viveu 11 meses.

Nas muitas visitas feitas à Edna, às vezes em casa, às vezes no hospital, vi pessoas bem intencionadas, tentando ajudar, mas que cometiam erros grosseiros e acabaram criando falsas expectativas quanto à recuperação de sua saúde, que se foram frustrando com o passar dos dias. Diante disso, desejo humildemente oferecer algumas sugestões para uma ação pastoral a um doente terminal.

  1. Ser conveniente quanto ao momento da visita – procurar saber dos familiares ou do próprio enfermo, a hora mais adequada para visitar. Há horas em que todos estão cansados e por mais bem intencionada que ela seja, a visita não é desejada.
  2. Ser conveniente com as palavras – as palavras não são a coisa mais importante numa visita, mas a presença amiga. Certa pessoa falou prá Edna depois de uma leitura bíblica e uma oração: “a irmã não está doente, a irmã estava doente, porque o Senhor já a curou”. Eu quase perco a calma nessa noite. Estas são tentativas de estímulo do doente, mas geram expectativas irreais. Palavras negativas também não são bem vindas, como a outra que falou: “minha amiga morreu com essa doença, com muitas dores”. Se o visitador não sabe o que dizer, é melhor cantar uma música, ler um Salmo orar, e depois se retirar.
  3. Ser paciente com as queixas e reclamações dos parentes. Eles em geral estão com suas vidas e horários alterados para dar atenção ao enfermo. Até quando forem agressivos com o visitador, entenda que aquele é um momento muito difícil e todos estão cansados, gastando dinheiro e vendo seu parente perecer. Neste momento os nervos ficam à flor da pele.
  4. Ser disponível, oferecendo-se para algum tipo de ajuda prática, pois dependendo do caso, o doente ocupa muito do tempo dos familiares. Um bolo, um café completo, uma torta. Quem sabe lavar uma louça, varrer a casa ou levar uma roupa prá casa prá lavar e passar.
  5. Está próximo para ajudar nas decisões da família, alertando, mas sem impor sua posição, pois está é uma hora na qual alguns oportunistas de plantão (médicos, hospitais, companhias de seguro, floriculturas, casas funerárias etc), querem sugar até o último centavo da família e do enfermo.

CONCLUSÃO

A tarefa pastoral é das mais nobres que uma pessoa pode receber. Que nós, pastores, sacerdotes, visitadores, possamos vivê-la na sua integralidade: Amando ao Senhor, e cuidando de suas ovelhas. Seja no cotidiano, seja nos momentos de doenças terminais.

Amém!

Referências Bibliograficas

KÜMBER-ROSS, Elizabeth. Sobre a morte e o morrer. Martins Fontes, São Paulo, 1991

RABITZSCH, Anne Betina Stahlher. O luto e a doença terminal no contexto familiar: Uma revisão de literatura , Eirene do Brasil, Joinvile, 2002